O GOLPE DO AMOR

O Grande Golpe

 

          Demorei um tempo para conseguir escrever a respeito do que preciso dizer, talvez porque existem coisas dentro de nós que solicitam a atenção do amadurecimento interior, tanto quando o reconhecimento das nossas fragilidades. Se reconhecer nesse campo de impotência, mistura agora o despir de emoções egoístas, que me aprisionaram a carapuça dessa fortaleza que eu insisto em querer parecer, especialmente no campo relacional.

          Conheci esse rapaz num aplicativo de relacionamentos, desses que possuem um cardápio de oportunidades designadas ao prazer momentâneo, mas que sob a ótica da fantasia romântica e de um mundo repleto de carências emocionais profunda, pode representar o encontro certeiro de amor verdadeiro. Coisa que agora realmente não acredito existir.

          Ao primeiro momento, o encanto daquilo que você deseja encontrar, cria em sua mente uma nevoa fina, translucida, que se você olhar bem mais de perto possivelmente se enxerga; mas quando estamos carentes não conseguimos ter essa clareza, e é aí que o golpe começa a ser facilmente arquitetado.

          Lembro bem que nossas primeiras conversas eram bem informais, coisas generalizadas de nossas vidas, como um bate-papo qualquer de apresentação, mas logo se tornou um campo de vínculos pessoais, sobre família, relacionamentos, essas coisas. Minha preocupação era não servir logo de prato desgostável, mas fui envolvida pela teia do especialista em golpes de quase amor.

          Dias depois marcamos um encontro, num lugar público, requintado, onde ele pediu o melhor prato, a melhor cerveja, usando a melhor roupa, detalhes escolhidos propositalmente para encantar. Sua fala é rebuscadamente atenta a corresponder ao que ele já sabe sobre você, pois já fez o dever de casa através do google, das redes sociais, e já tem na mente todas as respostas, mas se faz de interessado, muito interessado.

          Quando ele pegou na minha mão antes de me dá o primeiro beijo, lembro que ouvi baixinho, como o sopro de um anjo em meu ouvido: “Corre, sai daí! Você não merece isso!!”

          Soltei a mão dele nesse momento e ensaiei fugir mesmo, mas fui traída pela pressa em que me agarrou pela cintura quando me beijou. Senti algo estranho, uma mistura de medo e vontade de ser feliz. Um anseio que contrapunha a minha incerteza, afinal poderia ser tudo diferente do que já havia vivido, poderia dar certo. Voltei para casa sonhando com aquilo que eu queria que fosse real, e apostei minhas fichas no imprevisível. Desconsiderei a voz da intuição e associei que tudo aquilo poderia ser apenas mais uma autossabotagem que me faço há anos. (Mas eu deveria ter ouvido!)

          Começamos então um relacionamento cercado de mistérios, da parte dele é claro. Algumas coisas que me irritavam, mas que eu na loucura de provar ao mundo que seria possível recomeçar, desconsiderava totalmente. Alguns meses depois fui bombardeada com mensagens estranhas de mulheres, que me enviavam vídeos, fotos e mensagens dele com outras mulheres. A minha postura agora era de confronto e escuta, eu queria mesmo ouvir suas justificativas, porque ainda acreditava que havia sentimentos. (Quanta falta de amor-próprio! EU SEI!)

          O tempo foi passando e eu fazia tudo para encaixá-lo no mundo de faz de contas que havia criado. Afinal de contas as coisas para ela não estavam bem. Havia perdido o emprego, seus empreendimentos (como ele dizia), estavam passando por crises, e que certamente era temporário, mas se eu poderia estender a mão, que mal havia nisso? Até esse ponto, os benefícios que tinha de mim, eram coisas simples, como transporte, companhia numa viagem, roupas vez por outra, perfume, alimentação laser. Coisa que qualquer casal solidificado no respeito e cumplicidade mantem normalmente, não fosse pela ideia de que tudo isso era custeado apenas por mim. Mas eu não ligava tanto, as vezes até me incomodava, e tínhamos discursões, mas a ele se chateava e se afastava de mim, como uma forma de me punir por isso. Deixava então ao meu consumo a insegurança, as dúvidas e muito mais ansiedade. Nesses momentos as mensagens e conversas de outras mulheres voltavam a me encontrar. Eram fakes e mais fakes, dando conta de onde ele estava e o que estava fazendo. Um sinal de alerta claro de que ali não havia um relacionamento; que tudo não passava de um ensaio duvidoso de projeções da minha fragilidade emocional, explorada ao máximo.

Até que um dia bem desconfiada, resolvi dar ouvidos aquelas mensagens, e mesmo que eu não quisesse aceitar, algo dentro de mim ficou em choque, como se a nevoa finalmente tivesse se dissipado. Estava acordando aos poucos.

Tentei mais uma vez o confronto, e mesmo diante de todas as evidências, eu queria acreditar naquela verdade forjada que eu achava sentir, foi aí que ele “adoeceu”. Quero dizer, criou uma doença. Inventou que estava com um possível nódulo maligno e que precisaria operar, mas para tal circunstância precisaria de uma certa quantia que ele não disponibilizava no momento. Ele sabia que eu tinha. Sabia que não o deixaria passar por aquilo sozinho. Então pediu o dinheiro emprestado e seguiu ao médico para a realização de uma biopsia, que inclusive me mostrou depois, muito temeroso.

Tempos depois, já com a confiança instalada novamente, me pediu mais um empréstimo para investir num negócio, e dali conseguir pagar seu tratamento e tudo mais. Mais uma vez conseguiu.

A porta foi aberta do jeitinho que ele queria. Enquanto eu me acabava de trabalhar, cumprindo com todas as minhas obrigações e enfrentando meus desafetos interiores, ele vivia de boa com meu dinheiro agora envolvendo seu potencial nova vítima.

Os dias iam se passando, as mensagens fakes aumentando, as mentiras vindas à tona e eu fui caindo na real; até não conseguir mais me sentir bem próximo dele. Tudo que ele fazia, falava, soava a mim com desprezo. Não suportava mais sua presença em minha casa. Brigas nem existiam mais. Já estava convencida de que ali não era mais o meu lugar, mas havia outras questões pendentes a resolver; havia um dinheiro considerável em jogo, para além do estrago afetivo.

Então tentei de forma educada, colocar as coisas no lugar, quando fui surpreendida pela outra face do bandido, que logo de cara me ameaçou. Passou da postura do cordeiro ao lobo e foi logo dizendo que não tinha medo de justiça, nem de ninguém. Que estava para nascer a mulher capaz de fazer algo contra ele. Que Maria da Penha é coisa de boboca, que não sabe efetivamente se livrar de um corpo. E completou dizendo: “Busque a justiça e você vai ver quem tem razão!”

(Parece mesmo um roteiro de documentário da Netflix, mas é real, e tem se tornado muito comum).

Eu busquei. Estou buscando. Mesmo diante de tudo, todas as provas que tenho, ainda é preciso encontrar forças para encarrar a minha maior derrota pessoal. Como pude? Como deixei alguém destruir completamente o meu emocional? Já não bastavam as muitas feridas, que tentavam cicatrizar?

Quanta desumanidade cabe em alguém, que faz das fragilidades alheias a sua marca de sobrevivência? Dizimando por onde vai a desgraça? Todas as outras mulheres que ele enganou tentaram me avisar. Pelas minhas contas somam 16. Todas ameaçadas, roubadas, emocionalmente destruídas e desacreditadas juridicamente, pois ele continua ileso. Sob ótica da legalidade está mais uma vez enganado a outras, até que elas percebam e ele as descarte, e siga com o ciclo de horrores destrutivo.

Não tenho orgulho dessa parte da minha história. Dói demais me perceber nessa vulnerabilidade gigantesca, mas eu preciso contar a vocês. Alerta-las! Eu preciso dessa verdade, mesmo que dolorosa, para seguir em frente e tentar reaver as minhas forças. Acredito na justiça. Preciso acreditar! Que não nas dos homens, mas na justiça de DEUS, que tudo ver e nada escapa de sua manifestação. Só peço por isso!

O golpe do amor sentido aqui dentro, me rende até hoje noites de perturbação, preocupação e muitos questionamentos; uma sombra que precisa ser ressignificada e aprendida, mas que não será superada com a devolução do dinheiro, porque isso pode nunca acontecer. Mas que precisa ser compreendida, empatizada, e colocada aos pés da justiça como prioridade executável. Não é possível que vivamos numa sociedade onde casos como esse fiquem sem punição. É por isso também a minha luta.

 

Izangela Feitosa






Comentários

  1. Força e determinação alguma coisa há de acontecer quem sabe sua atitude não seja o livramento de outras mulheres que não tem a sua força?

    ResponderExcluir
  2. Deveria põr foto e nomes pra que ninguém caia nesse mesmo golpe. Que a justiça seja feita.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Comente aqui. Sua opinião é muito importante.

Postagens mais visitadas deste blog

A BUNDA

ValorIza

CORPO PARA UM BIQUINÍ