A BUNDA

 

A bunda

 

Sabe, eu fico sempre questionando como é difícil ser mulher, ser verdadeiramente livre é um peso enorme, assumindo responsabilidades e fazendo escolhas sem medo de represálias, por que no fundo, é só o que nós recebemos o tempo todo. Se eu tivesse que definir mulher em uma só palavra seria: CORAGEM! Coragem para tudo, desde nascer e ter que ser projetada dentro de um emaranhado de situações que nós não escolhemos, até termos que suportar ser negada, invisibilizada para manter relações doentias, e muitas vezes criticada por exercer nossas vontades, por nossos NÃOs! Mesmo antes de vir ao mundo, já existe um protocolo de exigências a serem cumpridas e quase todas nos limitando.

Ser homem é muito mais fácil!

Me responde aí, quantas vezes você questionou o fato de um homem aparecer seminu em uma novela, publicidade, num post de Instagram? Quantas vezes você se incomodou com a marca dos mamilos por baixo de uma camiseta masculina? Quantas vezes você viu alguém criticar um homem por mostrar a bunda?

Eu te respondo: NENHUMA!!

Isso não choca, porque não faz parte do roteiro deles, a liberdade é inerente a condição masculina desde os primórdios, e nós mulheres que lutemos por um pouco dela, como se ficássemos com as sobras, do que eles mesmos não se importam mais.

Nossos corpos são negociados todo tempo para fins publicitários, capitalistas, mas se por algum motivo não comercial, uma mulher resolve simplesmente ser ela, tudo muda.

“Olha lá, com um vestido desse, só quer aparecer!”

“Como pode não ser estuprada se vestindo assim?”

“Essa daí, é muito rodada. Olha só o jeito dela, vulgarizando com essa roupa!”

Toda decisão desse tipo incomoda, desde que tenha partido de uma mulher bem resolvida, não acompanhada. E se for acompanhada ela recebe elogios direcionados ao parceiro.

“Nossa que mulher linda, ao lado desse homem! Olha que corpo!”

É impressionante como a beleza de uma mulher, ou simplesmente o seu corpo precisa de um domínio, que não seja o seu.

Outro dia, vi um post que continha a foto de uma bunda, e na legenda um famoso poema de Carlos Drummond Andrade. Achei interessante, e repostei; pois usava de meios chamativos, eróticos, de cordo com os versos do poeta.  Um jeito atual de se promover literatura de qualidade. Mesmo usando a bunda, porque ela é importante nesse contexto, de um jeito poético e muito singular, para um determinado motivo além da exposição e nos distrai da futilidade.

Aí lembrei de um outro post meu inclusive, feito num momento de protesto, onde também mostra uma bunda e contra-argumentar uma decisão judicial que até hoje me enoja, o tal “ESTUPRO CULPOSO”; uma das decisões judiciais mais vergonhosas já vistas no judiciário do mundo. Criminalização da vítima, através de fatos não evidenciados, e totalmente ilegais e imorais.  

Mas essa decisão fala muito! Fala da nossa culpa, mesmo quando não somos culpadas. Fala da nossa incrível indecência em ser mulher, em ter um corpo, em querer apenas senti-lo e se orgulhar dele. Fala da nossa condição feminina, de um ponto de vista muito cruel, o de servir apenas ao desejo masculino. Afinal, a bunda só pode ser celebrada ao desfrute do macho, de outro jeito é obsceno e condenável.

Quando eu fiz esse post sobre o estupro culposo, recebi um direct, de um amigo, dizendo que aquele tipo de exposição não condizia com a minha pessoa, que era extremamente desnecessário. (Detalhe...eu não disse que a bunda exposta era a minha). Ele se irritou sem ao menos ler o que havia no post. Tomou como afronta e mal-estar uma coisa supernatural. Uma BUNDA.

A gente é tão acostumada a ser repreendida por nossos corpos, que ao primeiro momento eu me questionei se o que ele estava criticando fazia sentido, e ainda cogitei o fato de retirar a foto e refazer a postagem, mas logo reavaliei e não fiz. Pensei, por que eu haveria de sentir vergonha do meu corpo? Que mal havia naquilo? Quando vamos na praia ... eu preciso mesmo me esconder?

Milhões de questionamentos vieram a minha cabeça, e nenhum deles foi suficientemente capaz de me fazer enxergar o tal CRIME contra mim. Porque não há!!

É o meu corpo, a minha bunda, a minha vida, as minhas avaliações e configurações de pensamentos sobre o que vivo e defendo, sejam poéticos ou políticos. É forma como eu desejo protestar. É uma liberdade que incomoda e que ao mesmo tempo instiga. Porque tenho sim orgulho do meu corpo. Mas tenho ainda mais orgulho da consciência de poder usá-lo ao meu desejo, expressando as variadas formas de ser, que consigo perceber em mim agora.

Para encerrar a discursão com esse AMIGO, ele ainda me disse: “É por essas coisas que você está sozinha, que não arruma um namorado!” Disse que atitudes como aquela afastam os homens sérios. Que denotava infantilidade e muita necessidade de aceitação.

Pode até ser, mas quer saber, não tô nem ai! Se pra ter alguém ao lado eu precisar me desfazer da minha liberdade, daquilo que acredito, do orgulho que sinto de mim, de lutar por meus direitos.  Já começou tudo errado. Essa não sou eu!

A solidão não me assusta mais. Fiz as pazes com ela, com meu corpo, (do jeito que ele é), com as minhas inseguranças, com todas as vezes que me questionei sobre me assumir inteira e real; e principalmente fiz as pazes com a minha bunda. Ela é incrível!! Perfeita e original. Marca registrada em meu DNA, única e singular. Como não me orgulhar?

 

Izangela Feitosa




 


Comentários

  1. É isso mesmo, nao deve ter vergonha mesmo,até pq, é vc que tem de se admirar e tbem o "belo"nao é só o que é padrao exigido socialmente ne? Bjos

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  2. Cada dia tenho mais orgulho de vc e de termos nos aproximado. Sou sua fã.

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  3. Ameiiii o texto e uma frase me chamou atenção, a solidão não me assusta mais. Fiz as pazes com ela.isso já é de mim

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  4. Adorei o texto parabéns te admiro mulher 😍👏👏👏

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  5. Menina ...quantas verdade ...amei 💕

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  6. Que texto foda! Cheguei a sentir raiva real... Mas que bom que temos vc! Que consegue por nas palavras tudo que não conseguimos gritar! Maravilhosa!!!

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