O Padre e as unhas vermelhas.

 

Se tem uma coisa que me representa, identifica, é um belo de um batom vermelho. Esse é o tipo de adereço que tem feito parte da minha vida por muitos anos, como um conceito próprio sobre mim, revelando como eu gosto de me ver. Ele me faz sentir bonita, forte, poderosa! Causa um efeito de resposta positiva, que muito me agrada. É quase uma extensão da minha essência, revela, resolve, transforma. Mas por um bom tempo na minha vida ele foi substituído por um conceito abstrato do que não sou eu. Deixei o batom vermelho e quase nunca pintava as unhas, porque eu não era minha prioridade.

Vou contar a vocês uma das melhores histórias que já aconteceu comigo.

Quando eu estava passando pelo “vale da sombra da morte” ;( É assim que me refiro ao período pós término traumático do meu casamento), senti a necessidade de ir me aconselhar com um Padre. Ora, eu estava destruída, totalmente perdida. Na minha cabeça pairavam tantas perguntas e nenhuma resposta me parecia razoável aquelas questões; realmente precisava de um aconselhamento espiritual profissional; e “como uma boa mulher católica”, abandonada por seu “grande Amor”, recorri a conselho de quem tinha mais intimidade.

Soube por aqueles dias que estaria em minha cidade um Padre de fama muito boa, carismático, afetuoso e que sabia lidar com conflitos difíceis de um jeito menos repressor e autoritário. Achei que aquele era o momento ideal para esse encontro, afinal de contas tudo que eu não precisava era de mais culpa e condenação, então o procurei.

Lembro-me bem, de como estava triste. Havia perdido quase 15 kg e meu semblante derrotado, falava por mim. Diante daquele homem “especial”, uma mulher perdida, desanimada, vivenciando o mais puro sentimento de tristeza, comprometida com uma solidão profunda, enamorada da depressão, se derramou em confissão e foi ouvida atentamente por aqueles olhos azuis, que pouco falava.

Das poucas vezes que levantei meus olhos para encará-lo, percebi que ele balançava a cabeça num gesto de negativa, como quem está perplexo com o que escuta. (Acho que ele queria ter me dado uns bons tapas para eu acordar para vida!). Já beirava a impaciência, quando ele finalmente me puxou as mãos e olhando bem dentro dos meus olhos me disse:

- Minha filha... pare com isso agora! Olhe pra você! Você tem quantos anos? Uma vida inteira pela frente, e está deixando de viver por causa de alguém que não te quer mais? Isso é justo? Isso compensa? Todo tempo e amor que você dedicou a ele, não foi em vão, mas foi desperdício não ter se oferecido o mesmo amor!  Aprenda com isso!! Respeite a si mesma. Entenda que o que Deus te oferece é muito maior do que o que tu pedes. Aliás... o que tu pedes? Sabes o que pedir? Sabes o que merece? Deus te fez para ser muito mais do que você compreende de si. Não morra por quem não é capaz de amar. Jesus é a maior prova disso. Quanto sacrifício é preciso para entender que estamos falando de amor-próprio. É preciso aprender a si amar, para conseguir amar ao outro.

Nesse instante minhas lagrimas secaram enquanto em meu coração tudo começava a fazer sentido. Senti vergonha!

Ele então completou:

-Olhe pra você. Você é linda!

Puxou minhas mãos mais perto e olhando minhas unhas disse:

-Pinte essas unhas de vermelho!! Passe um lindo batom nessa boca! Se arrume, se enfeite, tire essa mulher linda daí de dentro e você vai ver do que ela é capaz. Você só precisa de tempo para se conhecer, se reconhecer e viver feliz.

Até hoje essas palavras ecoam na minha mente. Faço questão de não as esquecer. Desde então todas as vezes que pinto as unhas lembro-me dessas palavras fortes e tão assertivas. Eu precisava ouvir tudo aquilo, naquele momento, daquela forma para nunca mais esquecer de mim.

De lá pra cá algumas vezes ainda me perco, mas reforço essa lembrança e novamente me percebo, aí eu coloco nas unhas e na boca um belo tom de vermelho e deixo essa mulher incrível que eu sou aparecer.

 

Izângela Feitosa