O Som do Coração


O som do coração

 

          Quando você vive muito tempo ao lado de alguém, quando você convive por muitos anos numa mesma frequência e sintonia, algumas marcas vão se concretizando. São manias, gestos, até as piadas tornam-se repetidas; mas quando você ama essas pessoas, elas sempre encontrarão graça.

          Essa afinidade construída ao longo dos anos cria um vínculo forte e as vezes difícil de se quebrar. Lugares, cheiros, músicas, possuem o poder de transportar por outros cantos bem distintos, regados de lembranças e saudade. Tenho certeza de que se você fechar os olhos e se concentrar, poderá ouvir nitidamente a voz da sua mãe por exemplo, ou de alguém muito especial para você. Alguém que fez e sempre fará parte da tua história, viva, mesmo que já tenha partido. Essas memorias se fixam e nos alimentam em dias ruins, quando a saudade teima em fazer morada.

          A saudade é um lapso no tempo, querendo voltar, formada de pedaços de sentimentos. Um espaço ausente, de algo tão vivente, que parece não ter começo, nem fim.

          Tenho uma memória muito aguçada, consigo lembrar de coisas de quando nem sabia falar. Das lembranças que mais me orgulho são as que me fazem até hoje ter um laço afetivo maior. Nelas estão músicas e sons.

          Meu pai sempre gostou muito de música, das maiores lembranças da minha infância, estamos dançando; eu sob os seus pés. Consigo lembrar nitidamente do cheiro da sua colônia, das voltas que me dava, ao som de Agepê. Nessa imagem viva, estou sorrindo agarrada as suas pernas, gostando de tudo aquilo. Nós rimos muito. Até eu escorregar e cair ao chão.

          Muitos momentos como esses estão presentes na minha história, aprendi todas as músicas de seu repertorio particular. Se fecho os olhos e as ouço consigo lembrar do toca fitas dentro do carro, e Ivan Lins a tocar. Papai sempre teve bom gosto musical e isso repercutiu muito em minha vida. Sempre gostou de cantar, e cantarolava sempre ao fazer a barba aos domingos logo cedo, ouvindo “O Bom Dia Saudade” no rádio. Quando me dava conta estava cantando junto a ela. E foi assim que tomei gosto por cantar.

          Não, eu não sou uma cantora. Digamos que no máximo eu me divirta no karaokê; mas minha voz não é lá das piores (acho até que já fui melhor!), já arrisquei brincar disso, na igreja, no coral, numa banda de adolescentes, nada profissional. Fato é que tenho uma relação com a música em várias fases da minha vida, que me fazem ter lembranças afáveis. Como por exemplo “Forró das Antigas”. A voz de Batista Lima é uma viagem na minha adolescência. Músicas internacionais meus primeiros amores, e “Sandy e Jr”, o meu grande amor.

          Sandy e Jr, se tornou um som que toca direto ao coração. Lembro-me de quando tive minha filha, eu cantando para ela, enquanto mamava. Ela nem falava, mas acompanhava o som com grunhidos ao ritmo. Arrisco dizer que a primeira música que ela cantou foi “Imortal.” Criamos um ciclo de amor que nos unia através da música. E cantávamos os três. Pai, mãe e filha. Não conto quantas vezes estou cantando e tenho a nítida sensação de estou sendo acompanhada pela segunda voz que me acompanhou por tantos anos. Eu o escuto, sempre. Todas às vezes, que canto.

          Essa é a memoria mais viva das músicas que ouço, e não são poucas. Quase todas as músicas têm sua voz. É uma marca, um timbre, um retrato de um tempo vivido cheio de esperanças e amor, hoje partilhado com a nossa filha. Já fomos dupla, depois trio, e agora dupla novamente. Mas, sei que a vida me conduz a ser solo.

          Das memorias que o coração guarda, as minhas estão cheias de sentimentos e verdade. Não tenho como apagar.

          De tudo que já vivemos levamos as lembranças, que eu prefiro preservar com resiliência e afeto. As coisas são como devem ser.

Sou tão grata por ter vivido tantas histórias bonitas embaladas em boas músicas, cantadas ao som do coração. Não tenho do que reclamar. Se a vida me permitir outro encanto, outro canto, nova música, em outro lugar. Escreverei mais um capítulo bonito, com novas música e sons.

 

Izangela Feitosa




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