A Mãe e a Educação

 

Essa é uma das histórias que vale muito a pena contar, especialmente porque eu sei, sinto, que é apenas um capítulo novo para seus personagens e que está longe de terminar. É dessas coisas que o mundo conspira, encontra meios e resolve de ensinar com ternura, mesmo com todas as adversidades que inevitavelmente possa apresentar. Constrói laços fortes onde a razão e as emoções se confundem, e transforma com ferramentas poderosas inerentes aqueles que conhecem a vida, dura, restrita, mas que são capazes de encontrar no nada a maior das riquezas, o amor.

Falar de amor parece um tanto clichê, quando se tem por referência essa espécie de amor exposto em redes sociais, quando se imagina a imensidão que é a solidão fingida da vida de quem financeiramente pode ter tudo e não tem nada. Essa é a contradição que lhes apresento agora. Chego a me envergonhar das vezes que fragilmente chorei por uma conta não paga, por um capricho supérfluo, por simplesmente não saber agradecer todo o poder do cuidado e amor de Deus por mim. Como Ele é fiel, até para aqueles que aparentemente parecem ser invisíveis aos olhos humanos, por suas dores e necessidades. Uma mulher em especial tem me ensinado muito, todos os dias quando penso nela, quando avalio a sua força tão inerente, incontestável, incondicional, sem escolhas, mas muito consciente do seu papel de mãe. (E que mãe!)

Nos conhecemos quando ela foi abandonada. Sim...abandonada! Com seus cinco filhos e sem um real no bolso, numa casa que não tinha nada. (Sabe aquela da música: era uma casa muito engraçada, não tinha teto... não tinha nada...) Não posso dizer-lhe que não tinha teto, pois tem sim. Um teto de telhado aparente, bem esburacado, próprio da casa de taipa do sertão. Chão batido, três cômodos, onde amontoados vivem essa família. O pai os deixou sem explicação. Como se diz por aqui: Anoiteceu e não amanheceu. Simplesmente sumiu...deixando apenas os corações apertados de seus filhos e uma mulher cheia de perguntas sem respostas.

O abandono é talvez uma das dores mais difíceis de superar. São tantas questões, o tempo não concerta. É dor de alma. Dor que transborda em lágrimas silenciosamente querendo gritar por socorro, pedindo colo, tentando encontrar alento. Sufocando aos poucos num suplico de amor que não pode ser correspondido, que perdeu seu tempo, e não suportou. Mas, mais do que sofrer por amor, o que dói mesmo é a fome. Essa dor física que maltrata até quem não consegue por alguma razão comer. Há uma diferença enorme entre chorar de barriga cheia e sofrer de barriga vazia, pensando no amanhã, sem saber como viver, sem querer viver. Precisando insistentemente encontrar forças para convencer seus filhos de que vai ficar tudo bem, quando na verdade não se sabe, não vai ficar. Não do jeito que está!

Ela tem uma aura diferente! Essa mulher nem sabe o quanto ela é gente. Nunca pediu nada, nunca questionou a possibilidade de suas escolhas, não se entregou. Do quase nada ela dá exemplo. Seus filhos são absolutamente responsáveis, educados e muito bem criados, como se diz por aqui. Nunca deixaram que a dureza da vida os limitasse aos conformismos. Ela entende de leis, não os obriga a trabalhar, embora eles a ajudem em tarefas próprias da zona rural. Pegam água há distância, pois sua morada não conhece torneiras, banheiros, nunca viram uma geladeira. Pois lá também não há luz, elétrica...porque a deles se vê de longe.

Estão fora da escola, esquecidos pelas tecnologias que nunca tiveram acesso. Sentem muita falta de estudar. Aliás uma das maiores alegrias permitidas a eles, e que certamente mudará suas vidas. É na escola onde eles encontram o mundo, percebem o que acontece ao seu redor, socializam, produzem, se sentem gente. Mas agora, perdidos pela falta de tudo, eles só têm a eles mesmo, uns aos outros, e acredite, isso é mais que o suficiente.

Um dia perguntei a ela, o que ela mais queria na vida? Foi então que me contou, que havia feito do seu auxílio emergencial um investimento. Comprou um terreno pequeno, ali mesmo próximo, e que estaria levantando uma nova casa, também de taipa, pois era o que lhe podia. Ela falou com alegria de sua nova morada; daquele sonho adiado por causa de sua condição, mas em nenhum momento esboçou reação de pedido.

Contou também que não se importava em não ter móveis, fogão... É no improviso que cozinha; não tem cama, mesa, cadeira, nem televisão... nunca possuiu um telefone. Mas são bem cuidados, tratados, limpos, cheirosos e arrumados. Nunca esquecem, o bom dia! Como vai? Pedem licença. São absolutamente receptíveis e gentis.

Não sei se posso dizer que têm infância, brinquedos...Mas muita criatividade há. Eles se ajeitam em suas próprias histórias, inventam ideias, criam fantasias, sonham com dias melhores.

Talvez tenha deixado passar algum detalhe, talvez ela seja tão gigante que não caiba em um texto. Talvez ela só precise aparecer, ser, reconhecer o que tem de melhor. Porque no fundo ela sabe disso. Talvez ela só precise de oportunidade para dá uma virada na vida, resgatar sua autoestima, recuperar seu amor-próprio, se empoderar emancipatoriamente e reescrever sua história. Dessa vez sem a fome, sem o abandono, sem ilusão, sem dúvidas do que virá. Levantar a cabeça as vezes requer mais que um esforço físico, requer força interior de dignidade, coisa que não tem preço, tem valor.

 Essa mulher é o retrato mais fiel das muitas mães desse país, que apanham da vida, de seus companheiros, que sofrem suas perdas, que oram todas as noites por dias melhores, mas que nunca esquecem de oferece a eles o que ninguém toma: Educação.

 

Izângela Feitosa




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