O ídolo, o machismo e as putas



Não é de hoje que ouço e assisto na TV casos e mais casos de feminicídio. As estatísticas dizem que estamos diante de um genocídio; a cada uma hora e meia uma mulher é morta no Brasil, e isso vem repercutindo quase como um apelo gritante, onde nós mulheres não encontramos resposta. Estamos diante de um caso de saúde pública.

Esses últimos dias me chamou atenção dois casos regionais que me fazem refletir a respeito dessas violências. Em contraponto com um outro evento apresentado pela mídia, o caso do goleiro Bruno, disputado por grandes clubes do nosso futebol Brasileiro.

Vou contar um pouco sobre os feminicídios a que me refiro especificamente nesse texto. 

Um, ocorrido em Juazeiro do Norte, onde uma jovem grávida, foi encontrada morta, a golpes de faca, amarrada e despida, em sua casa, onde residia com um filho de 5 anos, autista. O outro, ocorreu em Fortaleza, onde um homem pegou sua esposa, dentro de um carro, atirou contra ela pelo menos três vezes, abriu a porta e jogou no meio da rua. Não satisfeito com o que havia praticado, resolveu então voltar ao local e descarregar outros tiros na cabeça da vítima, que provavelmente já estava morta. Casos como esses são apresentados quase que diariamente pela imprensa.

Ao mesmo tempo que nos damos conta de ações de descontrole emocional e desumano desse tipo, praticado por homens, reforçando um padrão cultural absolutamente machista; assistimos a um capítulo no mínimo estranho para o contexto da violência, onde um feminicida é matéria principal das notícias esportivas.

Eu não sei vocês... Mas a mim dói demais, ver essa inversão de papéis. Principalmente quando o autor do crime não demostra nenhum lapso de arrependimento. Até parece que somos mesmo nós, as criminosas, as putas...

É lógico que todos merecem segundas chances, que é aceitável a remissão, retorno de uma vida puída pela desgraça, mesmo para os infratores. Mas até que ponto isso deve ser celebrado como idolatria? Bruno não é um criminoso qualquer. Nunca ser! Sua culpa é de conhecimento internacional, assim como foi sua carreira de goleiro galã.

Bruno vivendo sua vida de estrela, cheio de regalas, reforça literalmente a ideia de que nossas vidas não tem nenhum valor. Que tudo bem se um homem matar uma mulher, mesmo que ele “pague” por sua pena, a sociedade ainda o colocará num lugar estratégico de exemplo positivo. Porque Elisa que era puta! Porque cada mulher que morre nas mãos de um feminicída merece morrer, pra também dá o exemplo as outras, de que não se deve nunca em nenhuma circunstância, desafiar um homem, principalmente os machistas.

Bruno endossa o coro dos que veem a violência como arma de pacificação ente homens e mulheres, sobretudo baseado em conceitos religiosos, “porque o que Deus uniu, o homem não separa”, só a morte. E por conta disso dá ao machismo o direito de decidir sobre nossas vidas, até mesmo quanto ela deve perdurar.

Os feminicídas estão muito bem representados na figura do goleiro herói. Enquanto nós mulheres, as putas, estamos a mercê da violência em todos os espaços, aguardando o nosso tempo predeterminado acabar.

É inadmissível que cultuemos ídolos como Bruno. É imoral educar uma criança dizendo a ele que o que Bruno fez é passivo de todo perdão social. Chega a ser indigesto aceitar esse conceito!

Há vidas em jogo! Não é o jogo do goleiro que deve ser jogado, é o jogo das nossas vidas. Que cada dia se perde um pouco, quando se abre espaço pra celebrar a volta de goleiro, e não de repensar estratégias de evitar esse massacre.

O sangue das putas, derramados aos montes revela toda uma ótica social perversa, ultrapassada e doentia. Enquanto o suor do machismo é celebrado, o sangue das putas amarga o silêncio da dor.


Izângela Feitosa

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