Panela Quente




Panela Quente

As pessoas têm uma ilusão de relacionamento abusivo. Elas pensam que o cara já chega gritando e batendo. Mas a verdade é que não é bem assim.

Os encontros acontecem e inevitavelmente a gente faz uma projeção do que sonhamos do outro. Então o casal se faz de imaginações muito mais do que realidade, porque no começo a gente se esforça mais para ser legal, divertido e encantar o outro, muito mais do que se mostra intimamente. É como se a gente deixasse ser para o outro a realização exata do que nos faz feliz. Embriagados de hormônios e outras sensações os corpos se deixam levar pelas emoções e a razão vai aos poucos perdendo espaço.

Um dia o cara te chama de princesa, diz que nunca viu ninguém mais bonita, (e isso pode acontecer também com os meninos, pois as dependências afetivas acontecem em situações de relacionamentos em geral, não importa se homem ou mulher, falo sob a ótica do feminino, porque me parece mais próximo e sempre escrevo minhas verdades). Então o cara elogia teu sorriso, faz mil promessas e de certa forma vai te seduzindo. Porque é natural do humano se sentir bem dentro desse contexto, uma vez que passamos a maior parte de nossas vidas sendo muito mais julgados do que exaltados. Então soa bem demais ouvir aquilo que desejamos. Nossas qualidades são expostas de uma forma natural e descoberta com tanta clareza que até o que não sabíamos de nós passa a ter propriedade.

Numa dança de sabores o casal vai se desenhando em graça, e as pequenas pitadas de veneno começam a aparecer...

“Amor você cortou o cabelo? Você sabe que u não gosto que você corte o cabelo”.

“Aonde você vai com essa roupa? Se você não trocar a gente nem sai de casa.”

“Com quem você estava conversando? Já disse que não gosto dessa amizade; você escolhe, ou ela ou eu?”

Aos poucos são minadas as companhias, as escolhas, as intenções de pensar a respeito do que gostamos, do que queremos, do que sonhamos. Passamos a ser do outro, propriedade, e sem perceber, vendida quase sem preço, nos desapegamos de quem somos para ser aquilo que o outro acredita querer de você.

Outro dia ele fala mal da sua família e te convence que você não precisa deles, que tudo está completo assim só vocês dois. E resumido o seu mundo a isso, o limite é imposto como grades e murros invisíveis de se perceber, mas que aprisiona a alma. Você já não sabe quem é você, perdeu-se de tudo aquilo que te fazia feliz, mas acredita como num feitiço que aquele ser te fará completo. Sem brilho e sem luz, você já não imagina mais viver algo diferente do que vive. Medo!! Muito medo... Medo da solidão, medo de não conseguir, medo de ser na verdade tudo o que ele te faz acreditar ser. Porque a essa altura o príncipe já virou o sapo. E todo mundo vê, menos você!

Ele bebe e chega em casa agressivo. Te xinga, fala coisas absurdas a seu respeito. Cria situações; envolve outras pessoas, te priva do que falar, do que pensar, do fazer, do seu querer. Vai te matando aos poucos psicologicamente. Te tira o valor, o amor, a dignidade. Já não há mais respeito algum. Possessivo e violento, ele ensaia te bater... Ele bate, te ofende, ameaça. Mata teus planos, sufoca teus sonhos, já não resta nada.

Mas o amor?

“Acabou!!”

“Você não pode me deixar. Se você me deixar eu vou te matar. Quem vai te querer? Você acha que alguém vai querer alguém como você, feia, burra, incapaz. Dependente pra tudo! Olhe, você deve me agradecer por eu ainda lhe querer, pois se eu não te quiser, muitos vão querer, só pra te usar. Ninguém vai te respeitar. Você não vale nada, não é ninguém. Presta atenção...”

Essas palavras ficam tão forte na mente, que inconscientemente você crer que é isso mesmo. Paralisada pela dor. Aprisionada pelo desamor, você se submete a traição, a injuria, a infelicidade. Mas insiste em continuar segurando “a panela quente”, que já queimou quase todo o seu corpo.

Até que um dia a loucura acha um espaço generoso nessa dor constante e coloca um fim nisso tudo.

Quantos finais felizes vocês conhecem?

Eu conheço um. O meu.

Eu sobrevivi ao Feminicídio.

 

Izângela Feitosa


Comentários

  1. Arrasou. Mostra a realidade de muita gente. Que infelizmente não tem a coragem de jogar a panela quente pro alto.

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